domingo, 18 de setembro de 2011

A Fazenda Campos Novos


A fazenda de Campos Novos e sua história – séculos XVII e XVIII

Era o ano de 1630 quando os holandeses, movidos pela cobiça, tentaram aportar nas praias do litoral de Cabo Frio. Aguardavam-nos colonos e jesuítas que, não obstante fossem tradicionais inimigos em disputas pelo controle das populações indígenas, desta vez estavam unidos para combater os invasores. Acompanhava os padres da Companhia de Jesus um pequeno exército de índios oriundos do aldeamento de São Pedro do Cabo Frio, dispostos a morrer na luta contra os apóstatas. Segundo os relatos que nos chegaram, cerca de duzentos holandeses desceram de suas embarcações na tentativa de ocupar a terra para obter o controle da extração de vegetais da mata atlântica que tivessem valor comercial na Europa, dentre eles, o mais conhecido deles, sem dúvida, era o pau-brasil.
Em busca da madeira cor de brasa vieram também os ingleses em 1614, quando tentaram estabelecer uma feitoria na região. A ideia era carregar embarcações com o Pau-brasil contando para isto com o apoio dos índios Tamoios e Goitacases, inimigos dos portugueses estabelecidos na cidade do Rio de Janeiro. As autoridades locais ordenaram então, a Constantino de Menelau que estabelecesse na região um povoamento e que fosse criada uma fortaleza para impedir novas investidas estrangeiras. A fortaleza recebeu o nome de Santo Ignácio enquanto que a povoação foi denominada Santa Helena do Cabo Frio. A situação na região estava tão pouco definida, que o próprio Constantino de Menelau era um dos que lucravam graças ao seu envolvimento com os traficantes estrangeiros. Todavia, as coisas não saíram bem para ele, e quando se viu ludibriado pelo grupo, mudou de lado e colaborou para que os mesmos fossem presos. De aliados dos inimigos, passou a ser o principal defensor da região para os interesses coloniais e obteve, logo depois, o cargo de Governador de Cabo Frio. Em 1616, o Jesuíta João Lobato, superior da Aldeia de índios de São Barnabé, foi encarregado de cumprir a ordem real de estabelecer um aldeamento na região para impedir novos ataques. A preocupação com a região era tanta, que enquanto o jesuíta escolhia o local do aldeamento, em 20 de abril de 1617, o Capitão-Mor Martin de Sá, respondia uma carta do Rei Filipe II onde este lhe ordenava que descesse índios e os aldeasse em Cabo Frio. Ainda no ano de 1617, o aldeamento de São Pedro do Cabo Frio foi fundado com 500 índios vindos da Capitania do Espírito Santo, mais precisamente, do aldeamento da Reritiba (Anchieta) na localidade escolhida pelo religioso de São Barnabé, ou seja, em Jucuruna.
Depois de algumas tentativas frustradas em se estabelecer núcleos populacionais estáveis e em função de muitos problemas, no ano de 1630 esta região foi incorporada à Coroa e a capitania passou a ser denominada de Paraíba do Sul. As autoridades reiniciaram uma nova distribuição de sesmarias tanto para as ordens religiosas quanto para particulares. A idéia era aumentar o povoamento através do estabelecimento de fazendas, aldeamentos e vilas. Todavia, rapidamente, violentos conflitos pela posse da terra irromperam na região.1 Os jesuítas não perderam tempo e prontamente tiraram proveito da instabilidade local. Neste mesmo ano, talvez para não perderem o impacto da escaramuça vencida pelos índios do aldeamento sobre os holandeses, o Reverendo padre Francisco Fernandes, Reitor do Colégio dos Jesuítas do Rio de Janeiro escreveu uma petição ao rei suplicando que fossem concedidas mais terras para que com elas os religiosos jesuítas pudessem aldear mais índios e consequentemente, manter a região cada vez mais protegida. Lembrava ao rei que sem os índios que comandavam e que só obedeciam a eles, a entrada de povos invasores ficaria muito fácil na área, uma vez que era longe da cidade do Rio de Janeiro e contava com enseadas de fácil acesso. A solução seria então, o aldeamento de mais nativos e a transformação deles em súditos reais. Sempre sob os cuidados espirituais deles, jesuítas. Os índios que comporiam este novo aldeamento, segundo o jesuíta, seriam provenientes do Aldeamento de São Pedro do Cabo Frio e outros vindos da capitania do Espírito Santo. O
governador deu despacho favorável a seus pedidos.2

1 FARIA, Maria Teresa Peixoto. Gênese da rede urbana no Norte e Noroeste Fluminense. In: CARVALHO, Ailton Mota de e TOTTI, Maria Eugenia Ferreira (org). Formação histórica e econômica do Norte Fluminense. Rio de Janeiro: Garamond, 2006. p. 69-97.
2 Petição e carta de sesmaria apresentada por Antonio Fagundes procurador do Reverendo Padre Reitor Francisco Fernandes em 20 de novembro de 1630. Livro de Tombo do Colégio de Jesus do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 1968. p. 290 e ss. Note-se que desde o ano de 1627 a Capitania da Paraíba do Sul já estava dividida ente os Sete Capitães. Gonçalo Correa de Sá, Manuel Correia, Duarte Correia, Miguel da Silva Riscado, Miguel Ayres Maldonado, Antonio Pinto Pereira e João de Castilho.

Assim, neste ano de 1630, os jesuítas se estabeleceram em terras que ocupavam grande parte da área que hoje é conhecida como Região dos Lagos. Eles possuíam ou administravam em nome dos índios a sesmaria do aldeamento de São Pedro do Cabo Frio, mais duas localizadas em Iguna e na Ponta de Búzios, as terras onde estabeleceram a Fazenda de Campos Novos, a de Santa Anna, em Macaé e a maior de todas, a de Campos dos Goitacazes 3.
Atualmente, a Região dos Lagos é uma importante área de turismo do Estado do Rio de janeiro, mas no século XVII e seguinte, sua importância estava ligada a posição geográfica e a sua formação litorânea. Era uma área próxima o suficiente da cidade do Rio de Janeiro, com praias que permitiam o desembarque de embarcações estrangeiras, abrigava grupos de índios hostis ao projeto colonial português e que comercializavam com os inimigos da Coroa. Os objetivos principais das autoridades para esta região eram o estabelecimento de vilas e povoados capazes de abrigar pessoas que pudessem desbaratar os contatos travados entre os estrangeiros e os indígenas. Estes últimos deveriam ser pacificados, aldeados e transformados em súditos da Coroa Portuguesa, ou seja, aliados ou então, caso não aceitassem nenhuma destas possibilidades deveriam ser exterminados.
As grandes extensões de terras ocupadas pelos jesuítas nesta região provocaram inúmeros conflitos. Alguns nos meios legais e outros resolvidos nas escaramuças do dia-a-dia. Seja como for, o fato é que “Nestas terras, submetidas à administração do Colégio do Rio de Janeiro, os missionários investiram na construção de fazendas que davam suporte à missão... as fazendas relacionam-se diretamente com o papel que os missionários jesuítas tiveram na conquista territorial da América”.4 Na verdade, a presença jesuíta na América se fazia por meio do tripé colégio-aldeamento-fazenda. Nesse caso, o colégio é o do Rio de janeiro, incrustado de modo imponente no alto do extinto morro do Castelo, centro da cidade do Rio; o aldeamento era o de São Pedro do Cabo Frio e a fazenda, dentre outras pertencentes aos padres da Companhia de Jesus na região, vamos nos ater apenas a sesmaria onde os jesuítas estabeleceram a fazenda de Campos Novos.

3 Macaé hoje não faz parte da região dos Lagos, mas no período colonial fazia parte das capitanias de cabo Frio e depois, da Paraíba do Sul.
4 GESTEIRA, Heloisa Meireles e TEIXEIRA, Alessandra dos Santos. As fazendas jesuíticas em Campos dos Goitacazes: práticas médicas e circulação de idéias no Império português, séc. XVIXVIII. Clio, Revista de Pesquisa Histórica. N. 27-2, 2009, p. 130.

A fazenda de Campos Novos
Embora a sesmaria tenha sido doada aos padres inacianos em 1630, eles só começaram a levantar a fazenda no final do século. Provavelmente a fazenda surgiu de queimadas para facilitar a derrubada da mata nativa e dar lugar a gramíneas que serviriam de pastagem e a chamaram-na de Campos Novos para diferenciá-la da fazenda de Campos dos Goitacazes. A igreja estabelecida no local foi consagrada a Santo Inácio, militar espanhol canonizado em 1622 e fundador da Companhia de Jesus. Esta possuía um altar central e nele estava colocada a imagem do dileto fundador, cuja lenda reza guardou a carta deixada pelos jesuítas doando a fazenda aos moradores locais. Nos altares laterais estavam colocadas as imagens de Nossa Senhora da Conceição com o menino Jesus, de São José e de outros santos ou santas. Além dos crucifixos, objetos sagrados e de uma “pia batismal de pedra mármore movediça”, também havia grande quantidade de roupas para as imagens e para os celebrantes dos ofícios religiosos, bem como várias toalhas, alfaias sagradas e cortinas de tecidos e cores variadas. 5
Do ponto de vista econômico, sua produção, como era peculiar às fazendas jesuíticas, era voltada principalmente para a criação de gado e alimentos. Mas também havia uma grande exploração econômica de madeiras, retiradas de suas matas e enviadas para o Rio de Janeiro. Em 1707 a fazenda possuía cerca de 1.500 cabeças de gado e em meados deste mesmo século este número não havia sofrido considerável mudança. Em 1721, o padre Antonio Cardozo, prepósito da província do Brasil, estava em Lisboa e foi intimado a prestar algumas informações sobre as questões fundiárias nesta região. Por suas informações fica-se sabendo que de acordo com o padre, as terras de campos Novos eram “alagadiças e inúteis na maior parte para a lavoura”.6
No entanto, a Ordem era dotada de espírito empreendedor e de vários membros com elevado grau de conhecimento técnico em várias áreas do conhecimento, como a hidráulica, por exemplo. Talvez pela experiência obtida em Santa Cruz, uma outra fazenda de terras alagadiças e não muito distante de Campos Novos, onde foram feitas várias obras de drenagem e contenção
de fluxos de água, os padres estavam aptos a mudar a situação da propriedade. Alguns anos depois, iniciaram obras de drenagem de lagoas e abriu-se um canal para escoar a produção da fazenda, tal como em Santa Cruz. Em 1726, o governador do Rio de janeiro, Luiz Vaía Monteiro apresentava esta obra feita pelos inacianos como um modelo a ser seguido em uma situação parecida na cidade carioca.7
De acordo com Serafim Leite, citando informação prestada por algum jesuíta que esteve na fazenda, em 1741 ela ainda “não tinha chegado a última perfeição, mas nos seus vastíssimos campos poderiam pastar mais de 20.000 cabeças de gado.” 8 Estas previsões otimistas nunca chegaram a se concretizar. Em 1759, quando se encerra a fase jesuítica da fazenda, havia 1367 cabeças de gado e 19 gansos distribuídos em nove currais. Alguns anos depois, em 1775 houve uma sensível diminuição: havia apenas 1159 cabeças de gado distribuídas por oito currais. 9

5 Arquivo do Museu do Ministério da Fazenda. Documentos relativos à fazenda Campos Novos e Campos dos Goitacazes. Códice: 85.20.49.
6 LAMEGO, Alberto. Macaé a luz de documentos inéditos. In: Anuário Geográfico do Estado do Rio de Janeiro, IBGE , n.11, 1958, p. 31.
7 LEITE, Serafim. História da Companhia de Jesus no Brasil. Tomo IV. Rio de Janeiro: Instituto Nacional do Livro; Lisboa: Livraria Portugália, 1945. p.93.
8 Idem
9 Arquivo do Museu do Ministério da Fazenda. Documentos relativos à fazenda Campos Novos e Campos dos Goitacazes. Códice: 85.20.49.

A história da fazenda de Campos Novos está intimamente ligada à história da ordem jesuíta no Brasil, desse modo, um dos grandes marcos na história da fazenda é dado quando a política pombalina de eliminação dos inacianos tem seu êxito. No ano de 1759, Pombal decretou a expulsão dos jesuítas de todo o Império português e o subseqüente seqüestro dos seus bens. De fato, este seria o primeiro passo no caminho da extinção total da ordem. Uma vez que os jesuítas foram forçados a abandonar suas posses, houve a necessidade de que elas passassem por um processo de inventário e avaliação, a fim de determinar quanto a Coroa poderia auferir com a venda destas em leilão.

Cada braça de terra foi avaliada em quinhentos réis e sua avaliação final foi da ordem de seis contos, setecentos e cinqüenta mil reis. No dia 13 de outubro de 1778 as terras e tudo mais que pertencia à fazenda foi arrematado pelo negociante que vivia na Praia de Dom Manuel, na cidade do Rio de Janeiro, Manoel Pereira Gonçalves, por 24:518$420 (vinte quatro contos, quinhentos e dezoito mil e quatrocentos e vinte reis). Estavam incluídos na transação os imóveis, as ferramentas, o gado, as plantações e os cativos. 10
Existe pouca documentação disponível sobre esta fazenda e sobre seu cotidiano.
Depois de Serafim Leite, que realizou uma gigantesca análise sobre as atividades econômicas dos jesuítas no Brasil buscando demonstrar que os bens materiais pertencentes à Ordem eram essenciais para a manutenção do projeto catequético e, portanto, colonial, a maior parte dos autores que de uma forma ou outra tratou sobre estas terras o fizeram com base em seus escritos.
Se sobre o período em que a fazenda foi administrada pelos jesuítas há uma escassa documentação, a situação muda um pouco quando se busca conhecê-la no período posterior a expulsão dos religiosos. Com a ordem expulsa, realizado o confisco de todos os bens e elaborada a série de documentos para averiguar quais seriam estes bens, a partir de 1759 tem início a produção de alguns documentos que permitem inferir – pelo menos em parte- como era o cotidiano nesta e em outras fazendas que pertenciam aos inacianos. Tratam-se dos inventários e autos de seqüestros.

10 Arquivo do Museu do Ministério da Fazenda. Documentos relativos à fazenda Campos Novos e Campos dos Goitacazes. Códice: 85.20.49

Através destes inventários é possível identificar uma série de características das propriedades e de sua mão-de-obra. As terras foram medidas e avaliadas de acordo com a qualidade, o tamanho e a produção agrícola e animal que eram capazes de gerar. Além disto, entraram nos inventários e nas avaliações, as ferrarias, as carpintarias, os materiais de cobre e prata, as casas de vivendas, as casas de caldeira e de purgar, as casas de fazer aguardente, enfim, qualquer serventia que fosse encontrada. As avaliações das fazendas e dos engenhos dependeram muito das condições em que estavam as terras, a produção, os bens e os cativos. Os bens das igrejas foram listados na maior parte das vezes, mas não entraram no cômputo geral dos inventários porque segundo as normas, tais bens pertenciam ao povo que utilizava a igreja.
Para esta fazenda em especial, há dois inventários. Um foi feito imediatamente após a ordem de expulsão. O documento é datado de 22 de novembro de 1759 e o segundo conjunto documental é de 30 de junho de 1775. Há, portanto, um espaço de 12 anos entre um e outro. Tempo suficiente para que algumas mudanças pudessem ser sentidas na fazenda.

Tabela n. 1 – Famílias cativas da fazenda de Campos Novos
Tipologia
1759
1775
Famílias Nucleares
38 (65%)
59 (73,5%)
Viúvas
15 (26%)
11 (14%)
Viúvos
5 (9%)
2 (2,5%)
Famílias com 3 gerações
0
2 (2,5%)
Famílias só com a mãe
0
6 (7,55%)
Totais
58 (100%)
80 (100%)

Um dos quesitos de maior destaque nestes inventários, e o de Campos Novos não foge a regra, é a questão da escravaria. Os cativos são sempre apresentados formando famílias nucleares. Cada indivíduo recebe um valor de acordo com suas características físicas, idade, sexo, ocupação ou aptidão. Na fazenda Campos Novos em 1759 havia 188 escravos. Destes, 92 eram do sexo masculino (48,94%) e 96 (51,06%) eram do sexo feminino. Este total de menos de 200 escravos estava distribuído em 50 senzalas, dando uma média de menos de quatro cativos por senzala.
No inventário de 1775, estes números são um pouco diferentes. No espaço de 12 anos entre um inventário e outro nasceram cerca de 11 a 12 crianças anualmente. O número total de cativos havia subido para 323 cativos: 150 homens (46,44%) e 173 mulheres (53,56%), distribuídos por 53 senzalas cobertas de palha velha. Estas mudanças na população elevaram a média de moradores para pouco mais de seis por senzala. Parece que, além da moradia, a saída dos religiosos interferiu na organização das famílias. Em primeiro lugar, os casais continuaram tendo seus filhos, mesmo que não soubessem exatamente o que iria acontecer com suas vidas.
Mas mais do que isso, a organização familiar tornou-se mais complexa, apareceram no inventário duas famílias com mais de duas gerações e encontram-se seis mulheres que Estavam a criar seus rebentos sozinhas, algo que não apareceu no primeiro inventário. Todavia, destas, três casos eram de pais que haviam fugido e estavam na cidade ou em quilombos na região. Os outros três casos os pais não puderam ser identificados, mas em todos as crianças eram menores de 10 anos. Portanto, já nasceram sem a presença dos jesuítas.
O percentual de viúvos caiu para menos de um terço e o de viúvas reduziu quase pela metade, o que significa que as segundas núpcias estavam sendo mais efetuadas. Ao se comparar o que se viu na vida dos escravos de Campos Novos com o que se sucedeu aos cativos da fazenda de São Cristóvão, que foram todos vendidos em praça pública no Rio de Janeiro e suas famílias, destroçadas, parece que os escravos de Campos Novos preferiram acreditar que continuariam na fazenda assim como os escravos de Santa Cruz ou da fazenda mais próxima, de Santa Anna de Macaé que seria vendida apenas no ano seguinte.
Comparando os dois inventários, é possível perceber alguns dados interessantes com relação à formação destas famílias cativas e também os limites deste tipo de fonte. Um exemplo claro disto é a própria organização dos dados. No inventário de 1759 as famílias foram arroladas na seguinte ordem: primeiro, os casais, depois os viúvos seguidos das viúvas. Os rapazes de serviço e as raparigas vieram depois e foram seguidos pelas crianças masculinas e as femininas.
No caso das crianças houve a preocupação em listar um de seus pais. Ao cruzar com a listagem dos casais, pode-se formar as famílias. Entretanto, no caso das raparigas e dos rapazes não há como relacionar todos com os casais. Apenas alguns nomes puderam ser identificados como filhos ou filhas destes.
No inventário de 1775, as famílias foram arroladas juntas. Isto facilitou a percepção sobre sua organização. Pelos dados do inventário de 1759 não é possível afirmar que não houvesse casos de famílias com três gerações, mas isto somente fica muito claro no seguinte. Por ele, identifica-se que em algumas famílias começaram a nascer crianças sem que as mães fossem
legalmente casadas e sem que o nome do pai aparecesse de alguma forma. Este é o caso da família de Manoel Trindade casado com Barbara Vieira, uma escrava aleijada do braço esquerdo.
O casal possuía oito filhos com idades variando de vinte e cinco anos a uma criança de peito. A filha mais velha, Andreza aparece listada com duas crianças. Uma de cinco anos e outra de dois anos e meio. Pode ser que fossem frutos de uma relação não oficial, uma vez que os padres já não estavam na fazenda.
Concluindo, pode-se afirmar que através da análise do inventário desta fazenda, é possível conhecer um pouco mais sobre o processo de ocupação do litoral norte fluminense e o desenrolar das relações socioeconômicas entre agentes históricos de diferentes categorias sociais.
Tratando-se de uma área importante do ponto de vista estratégico, esta análise contribui na composição do mosaico que constitui o processo de formação da capitania do Rio de Janeiro no qual os jesuítas, seus índios e seus escravos tiveram papel decisivo.

Carlos Engemann*
Marcia Amantino**
* Professor do programa de Pós Graduação em História da Universidade Salgado de Oliveira
** Professora do programa de Pós Graduação em História da Universidade Salgado de Oliveira



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